sexta-feira, 10 de outubro de 2014
Tétis apresenta a Máquina do Mundo a Vasco da Gama
"Vês aqui a grande Máquina do Mundo,
etérea e elemental, que fabricada
assim foi do Saber, alto e profundo,
que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
globo e sua superfície tão limada,
é Deus: mas o que é Deus ninguém o entende,
que a tanto o engenho humano não se estende"
"Este orbe que, primeiro, vai cercando
os outros mais pequenos que em si tem,
que está com luz tão clara radiando
que a vista cega e a mente vil também,
Empíreo se nomeia, onde logrando
puras almas estão daquele Bem
tamanho, que ele só se entende e alcança,
de quem não há no mundo semelhança."
"Aqui, só verdadeiros, gloriosos
divos estão, porque eu, Saturno e Jano,
Júpiter, Juno, fomos fabulosos,
fingidos de mortal e cego engano.
Só para fazer versos deleitosos
servimos; e, se mais o trato humano
nos pode dar, é só que o nome nosso
nestas estrelas pôs o engenho vosso."
"Enfim que o Sumo Deus, que por segundas
causas obra no Mundo, tudo manda.
E tornando a contar-te das profundas
obras da Mão Divina veneranda,
debaixo deste círculo onde as mundas
almas divinas gozam, que não anda,
outro corre, tão leve e tão ligeiro
que não se enxerga: é o Móbil Primeiro."
"Com este rapto e grande movimento
vão todos os que dentro tem no seio;
por obra deste, o Sol, andando a tento,
o dia e noite faz, com curso alheio.
Debaixo deste leve, anda outro lento,
tão lento e sobjugado a duro freio,
que enquanto Febo, de luz nunca escasso,
duzentos cursos faz, dá ele um passo."
"Olha estoutro debaixo, que esmaltado
de corpos lisos anda e radiantes,
que também nele tem curso ordenado
e nos seus axes correm cintilantes.
Bem vês como se veste e faz ornado
co largo Cinto d' Ouro, que estelantes
animais doze traz afigurados,
aposentos de Febo limitados."
"Debaixo deste grande firmamento,
vês o céu de Saturno, deus antigo;
Júpiter logo faz o movimento,
e Marte abaixo, bélico inimigo;
o claro Olho do Céu, no quarto assento,
e Vénus, que os amores traz consigo;
Mercúrio, de eloquência soberana;
com três rostos, debaixo vai Diana."
"Em todos estes orbes, diferente
curso verás, nuns grave e noutros leve;
ora fogem do centro longamente,
ora da Terra estão caminho breve,
bem como quis o Padre omnipotente,
que o fogo fez e o ar, o vento e a neve,
os quais verás que jazem mais adentro
e tem co mar a Terra por seu centro."
"Neste centro, pousada dos humanos,
que não sòmente, ousados, se contentam
de sofrerem da terra firme os danos,
mas inda o mar instável exprimentam,
verás as várias partes, que os insanos
mares dividem, onde se aposentam
várias nações que mandam vários reis,
vários costumes seus e várias leis."
[Máquina do Mundo em Os Lusíadas, Canto X - Luís Vaz de Camões]
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